
Promessa de ano novo
Ano novo, vida nova, promessa antiga. Penso que a dita promessa de Ano Novo deva ser universal. O mundo todo deve ter contas a acertar e escolhe o início do ano para esse acerto, por dois motivos: o primeiro, pela sensação de adiamento, ou seja, deixar o sacrifício para depois e, o segundo motivo, negociar com a culpa, começando o ano seguinte com “o pé direito”, fazendo a coisa certa. Dentre as promessas mais corriqueiras temos: parar de fumar, fazer atividade física regular, começar uma dieta saudável, moderar o uso do álcool, dentre tantas outras. Promessa tem caráter de compromisso; coisa séria que empenha nossa credibilidade, afetando nossa reputação. E aí surge uma questão: o que nos leva a imprimir um caráter tão dramático a questões que parecem tão banais como manter dieta, abandono do tabagismo, fazer exercícios físicos? Afinal, dizem respeito à nossa saúde e não deveria ser difícil de praticá-las no dia a dia. Contudo, não é assim que as coisas se passam.
Vamos colocar uma lupa sobre o assunto e escrutinar a famosa mudança de hábitos alimentares, com ou sem projeto de perda de peso. Que podemos enxergar aí? A alimentação está ligada às primeiras relações do ser humano com os cuidados maternos, dispensados pela mãe, avó, tia, pai, ou quem quer que seja que exerça essa função de maternagem para o bebê. Na vida adulta, a alimentação, mesmo que inconscientemente, lembrará essa relação primeva, a famosa “comida da mamãe”. A comida não é só comida. Ela condensa representantes psíquicos dessa relação, que vão marcar o modo como cada um se relaciona com os hábitos alimentares. Sendo assim, a comida pode assumir uma função calmante diante de situações de stress; também pode ser usada como objeto a preencher uma perda, ou quando se se depara com frustrações. Por vezes a alimentação pode tomar uma feição punitiva, ou tornar-se aversiva como em alguns casos de anorexia. Também pode passar por uma questão identitária, como nos casos em que é pela comida e pela aparência do corpo que alguém se sente membro de determinada família. Por todos esses motivos, a tal promessa de ano novo, no mais das vezes, acaba por não se efetivar porque não se trata apenas de disciplina. Há que levar em conta o componente psíquico que impregna isso que não é apenas hábito, mas uma relação entre o sujeito e sua alimentação.
Apresentei a relação com a alimentação por ser a mais paradigmática da questão que me coloquei a analisar neste pequeno trabalho. Os demais itens que compõem a nossa lista de Promessas de Ano Novo, também seguem a mesma lógica, pois tudo o que toca a cada ser humano é interpretado de acordo com a realidade particular de cada um. Só para citar um exemplo, fora da categoria alimentar, lembro de um conhecido da minha família, para quem o cigarro lembra, a ele, a “reunião dos homens”. Essa reunião ocorria porque todos os homens adultos, com quem ele conviveu na infância, sentavam-se para conversar, nas festas de família, e passavam longo tempo conversando e fumando. Para este homem em particular o tabagismo ficou marcado como um elo de socialização entre pares, assim como de pertença a uma linhagem familiar, além de representação da masculinidade. Não se consegue parar de fumar apenas com base na disciplina diante de uma significação simbólica tão pregnante como esta.
Iniciei este texto dizendo que as Promessas de Ano Novo são antigas porque é comum que não se cumpram. Ao contrário, acabam sendo abandonadas ao longo do ano e se tornam novamente promessa (agora antiga) para o próximo Ano Novo, recomeçando o círculo vicioso.
Qual a alternativa, então?
Sabemos, pela experiência profissional, que, na medida em que cada pessoa compreenda de que modo sua ligação com esse “objeto” está constituída, abre-se a perspectiva de modificar esta relação. A partir disso, pode-se abrir mão deste objeto, quando nocivo, ou estabelecer uma forma saudável de mantê-lo como parte da vida cotidiana. Este é um dos trabalhos que a Psicoterapia pode realizar.
Carlize R. O. Nascimento
Psicóloga – CRP 08/18161
Psicóloga (UFPR). Mestre em Sociologia (UFPR). Especialista em Psicologia Clínica e Educação Especial. Tem experiência em Perícia Judicial e Psicologia Hospitalar pela atuação em Vara de Família e no Hospital de Clínicas da UFPR, respectivamente. Atualmente atua exclusivamente em consultório particular.